5 de mar. de 2008

Aprendizado compartilhado

por Stefania Fernandes*

Foto Rede Povos da Floresta













Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura Alfredo Manevy visitou os Ashaninka, no Acre, durante os dias do carnaval. Ele teve a oportunidade de conhecer o Centro Yorenka Ãtame, em Marechal Thaumaturgo , e de estar na Aldeia dos Ashaninka, no Alto Juruá.

Rede Povos da Floresta - Essa iniciativa estreitou a relação do Ministério da Cultura com a Rede Povos da Floresta e com a Comunidade Ashaninka do Rio Amônea. Alfredo, como foi a sua visita?

Alfredo Manevy - Foi uma experiência transformadora em todos os sentidos. O Ministério da Cultura vem desenvolvendo uma política estratégica para as culturas indígenas e ela tem sido uma das agendas mais importantes do MinC nos últimos anos. Até 2003 o MinC não tratava culturas indígenas como parte da formação brasileira, da formação da nossa sociedade, e a gente vem tentando mudar radicalmente como o MinC dialoga com essas culturas, reconhece, dá apoio, busca incorporá-las em projetos estratégicos de desenvolvimento. Do fato de ter vindo para cá e conviver na aldeia Apiwtxa, com os Ashaninka e com o Projeto Rede Povos da Floresta, surge um conjunto de possibilidades muito interessantes de relações de projetos que a gente pode vir a desenvolver.

Rede - Quais são as possibilidades de trabalho com os Ashaninka?

Manevy - A Aldeia Apiutxa já tem um Ponto de Cultura que é um dos projetos mais importantes do Ministério da Cultura, um dos mais inovadores, que significa dar todo apoio para uma comunidade, desenvolver seu projeto cultural, desenvolver sua ação de memória, biblioteca, oficina, mestres do saber, ação e proteção de língua. O que a comunidade quiser fazer é ela que vai determinar, não é o Ministério. O Ponto de Cultura tem isso como fundamento, é a comunidade que diz o que é cultura, como é o seu plano de ação e o MiniC dá seu apoio material com instrumentos e meios, tecnologia, para que a comunidade possa desenvolver plenamente o que ela quer. No caso da Apiutxa, essa comunidade maravilhosa dos Ashaninka, maravilhosa porque é uma comunidade cultural, política, tradicional, que tem um projeto extraordinário para sua região, esse Ponto de Cultura vai ser certamente uma ferramenta a mais que eles vão ter pra desenvolver esse potencial todo.

Isso já existe e eu vejo que essa vinda para cá aponta em outras direções interessantes como, por exemplo, o Centro Yorenka Ãtame, que é um centro cultural que está construído e precisa de conteúdo, de cine clube, de capacitação, de apoio e a gente está pensando também num Ponto de Cultura para dar força para essa comunidade se desenvolver. A proposta deles é formar lideranças, líderes para o reflorestamento na região amazônica e outras regiões do Brasil, então a gente pode entrar também aí. Alguns vão perguntar, mas por que o Ministério da Cultura está entrando num projeto de reflorestamento. Isso é cultura? Na visão do MinC hoje, isso é cultura, não só as expressões artísticas, que são muitas as que estão ali em jogo, são parte da nossa cultura, mas certamente uma visão sócio-ambiental, de identidade daquela população. O meio ambiente está totalmente interligado aos saberes e valores daquelas pessoas, aos cidadãos que ali vivem, então essa integração a gente apóia, tem que dar todo apoio, o Ministério quer fortalecer.

Rede - E como pessoa, como foi a sua experiência?

Manevy - Foi maravilhoso. Posso dizer que esses quatro dias certamente me ensinaram muito, aprendi muito com os pajés, com os Ashaninka, com o Acre, com essa população maravilhosa, com esse projeto que está se desenvolvendo aqui há muitos anos. Tem uma energia muito positiva em tudo o que está acontecendo aqui no plano cultural, político, estético, saio enriquecido tanto institucionalmente como pessoalmente, e vou tentar levar essa energia para Brasília, para o ministério, para as pessoas que trabalham com a gente, para agitar todos esses programas, esses projetos tão importantes.

Rede - Me impressionou ver como eles são tão organizados. É impressionante, não é?

Manevy - Sim. Também me impressionou a forma como eles estão organizados, como eles têm um planejamento estratégico que é uma coisa muito difícil, até para instituições que tem todos os recursos, todos os meios, você planejar para 10 anos, 15 anos, é uma coisa muito difícil, que exige muita visão, sabedoria, capacidade de integração, de superação, de visões compartimentadas da realidade. Acho que até pela natureza da cultura dos Ashaninka, talvez essa visão holística que eles têm da natureza, da vida humana, talvez facilite a eles compreenderem que esse planejamento de longo prazo é a grande questão, de como eles vão conseguir criar uma tecnologia de longo prazo para produzir riqueza, distribuir riqueza entre eles, gerar bem estar naquela comunidade sem mudar o modo de vida deles, que é o grande desafio, como produzir riqueza econômica sem que isso altere seu modo de vida. Eles estão conseguindo fazer isso e acho que a replicagem disto no Brasil e no mundo, é algo que já se nota, essa semeadura já está se dando.

O que a gente conseguir tirar de replicagem dessa experiência vai ser um grande ganho para esse Brasil que está nascendo, se refazendo. Essa experiência deles aponta para uma visão de Brasil muito especial, um Brasil com a Amazônia no seu centro, uma floresta não como uso, mas como fim. As pessoas como patrimônio, não como meio, não como mercadoria, não como estoque para alguma coisa. Ali tem uma visão realmente que não é anti algo, ela é a favor de várias coisas, ela aponta em muitas direções e espero que esse conhecimento, esse aprendizado possa ser compartilhado.

* Stefania Fernandes, Rede Povos da Floresta, 05/03/2008

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